três dias em São Paulo é decididamente pouco demais. a agenda foi tão espremida, que muita coisa importante ficou para depois, incluindo rever amigos. simplesmente não dava. e não deu.
caminhar continua sendo um prazer, e quem se rende ao perigo perde uma parte bela da cidade. andar na Paulista de madrugada, andar pela Vila Madalena a qualquer hora. andar no centro, Viaduto do Chá, Sé. muita gente, confusão, vende-se de tudo. ciganas, homens-cartazes. os cines pornôs da Aurora e da Ipiranga. café expresso a cada esquina. o metrô sempre cheio, mesmo no final de semana. a feira da Liberdade no domingo de manhã, a bolachinha doce japonesa com chá verde geladinho.
provamos uma deliciosa comida marroquina. e também japonesa, que eu encarei acompanhada de uma dose de saquê que não acabava nunca e me fez recitar a beleza da vida, aos tropeços, até o hotel. bem, a vida é bela, não é? eu acho, ainda mais naquele dia. mas nada se compara ao delicioso sanduíche de carne de sol com tomate seco que comemos no Mercado Público, e que me faz salivar até agora. o pastel de bacalhau, servido em várias barraquinhas, é tradicional e maravilhoso, mas este sanduíche vale uma passagem de ida e volta. e valerá. aliás, o Mercado Público vale um dia inteiro, com suas cores, cheiros, sabores e texturas. embora descer a Rua da Ladeira em pleno sábado à uma da tarde seja uma experiência a não ser repetida. você quase não coloca os pés no chão, digamos assim.
a exposição de Degas, no Masp, é interessante, mas confusa. não entendi a proposta da curadoria. você nunca consegue entrar realmente em Degas, pois sua obra está diluída entre seus contemporâneos e suas influências. você entra e sai de Degas o tempo todo. sem contar o público. duas argentinas se colocam na frente de um Van Gogh para colocar a fofoca em dia. e ficam ali, fofocando. quase cortei a orelha de uma delas. uma brasileira histérica grita ao celular, andando de um lado para o outro, passando na frente das pessoas e tratando de uma mala que ela quer que seja colocada em um certo carro não sei quando. ah, sim, estou muito interessada. e uma guia ocupa todo o espaço, doutrinando um grupo de pessoas entediadas com sua longa e culta explicação. o engraçado é que ela conduzia o grupo, falava longos minutos e depois conduzia o grupo para outro lugar. e as pessoas não iam ver as obras. para quê, não é mesmo? a guia esperta já tinha dito o que era preciso saber. o Masp, porém, vale também por seu fantástico acervo. e lá estava meu hipnótico Meninas de Rosa e Azul, de Renoir.
a exposição de Volpi, no MAM, foi um caso à parte. fomos na segunda-feira. nós e uma matilha de crianças pequenas. todas ensandecidas, com muito papel em branco e muitos lápis de cor. espalhadas pelo chão, excitadíssimas, copiando as bandeirinhas. você não podia ver as telas, pois corria o risco de pisar nos pivetes. na verdade, mal podia se mover. as professoras nos olhavam como se nós estivéssemos atrapalhando o aprendizado lúdico de seus pimpolhos. e eu, que sempre gostei das bandeirinhas coloridas de Volpi, saí achando que a exposição era uma droga e não valeu todo o esforço de ir ao Ibirapuera. mas talvez tenha sido culpa da pedagogia libertária.
vimos também uma exposição de fotografias no acervo da FAAP, em um belo prédio na praça do Patriarca, logo depois do Viaduto do Chá. uma foto de Bob Wolfenson com uma composição de prédios é especialmente interessante, pelos quadros que forma e pela luz. nunca tinha visto fotos de Thomas Farkas, fiquei encantada com ele.
na Pinacoteca, estava a exposição de Pennacchi. mas quem escolheu a iluminação não queria que a gente visse nada, e então eu não vi nada. o ar condicionado que não refrigerava transformou o ambiente em um suplício, e como eu não gosto de ficar em lugares quentes e escuros fingindo entender de arte, fomos respirar ar puro no jardim. que, diga-se, é um escrachadíssimo ponto de prostituição.
São Paulo está muitas vezes mais suja do que quando morei lá. sei que tudo que se faz por aquela cidade é sempre insuficiente, mas há muito mais gente morando na rua, e pessoas bêbadas e falando sozinhas em todos os lugares. parece um pouco abandonada, administrando-se sozinha. muito poluída. trânsito caótico. o lago do Ibirapuera é desolador. os peixes estão mortos.
foi chocante ver que parte da minha história sumiu. como dizia um amigo baiano no aeroporto de Congonhas, na volta: “eu queria ir ao Supremo, e minha amiga disse ‘o Supremo não existe mais’. como assim, o Supremo não existe mais???”. eu estava assaltada pelo mesmo espírito de indignação. onde foi parar o Riviera? aquele bar memorável na esquina da Paulista com a Consolação, onde tantas vezes comi um delicioso sanduíche de siri? o Baguete, aquela padaria ao lado que varava a madrugada, também não existe mais. e agora os paulistanos vão me dizer que eles não existem há anos. pois é. eu não sabia. fiquei um pouco órfã.
com todas as suas coisas boas e ruins, é uma cidade divertida e cheia de possibilidades. na companhia certa, vale cada minuto, cada indiada, cada acerto, cada risada. podíamos ter ido ao teatro, mas não deu tempo. há tantos bares e restaurantes, lugares para explorar, amigos para ver. da próxima vez, não posso esquecer o esticador de tempo.
7 comentários:
Nem fala no Supremo. Eu e o Márcio quase morremos andando achando que não lembrávamos mais da esquina, mas ele não existia mais mesmo :-(
Até falei disso aqui, ó: http://thedaybreaks.blogspot.com/2005/04/dia-3.html
Quando à sujeira e a tristeza da cidade, ela tem nome, ou melhor, dois: Maluf e Pitta. Depois desses dois, nada nunca mais foi o mesmo. E, olha, estou pra te dizer que o que eu vi sob a administração Serra era um pouco menos pior do que o que vivi sob a administração Marta. Claro que falo sempre sobre a parte classe média-baixa-média-alta por onde sempre andei, não tenho como saber das periferias...
Adorei saber do Masp, do Mam, do Degas, do Van Gogh, do Renoir, do Volpi e do Thomas Farkas! Mas o que realmente mexeu com minhas vísceras foi a parte gastronômica do post: comida marroquina, japonesa, sanduíche de carne de sol, pastel de bacalau, sanduíche de siri...minha cabeça de gorda se exaltou, aqui!
Obrigada por compartilhar com a gente essa viagem. Não conheço São Paulo, mas adorei passear por lá nas tuas palavras.
Que massa esse teu passeio por Sampa. Eu tava esperando ansiosamente a tua descrição, assim como a de Sean. Eu tinha vontade de que vocês relatassem as experiências e o olhar de vocês sobre àquela maravilhosa cidade. muito bom saber que deu pra fazer um bocadão de coisas. As visitas às exposições do Masp, Mam, pinacoteca são sempre imperdíveis. Adorei saber um pouco mais sobre esse sanduíche de carne de sol do mercado público, pois sempre soubemos dos pastéis de bacalhau. E saber que ele vale uma viagem de ida-volta, me estimulou mais ainda!!! Já tô indo...Ah! E quando eu estiver lá, gostaria que me emprestasses o teu esticador de tempo...rsrsrs
Um abraço
Cássia, quem administrou bem São Paulo foi a Luiza Erundina. morei nove anos lá e vi isso muito de perto. saí durante a administração Pitta, era puro caos.
Thelma, mistura de festival pantagruélico com muita caminhada e paradas estratégicas para sorver um pouquinho de arte. não é perfeito?
Katine, o mundo te espera. e isso não é força de expressão. o mundo realmente te espera, com este texto poderoso que vc tem.
Cida, o sanduíche de carne do sol com tomate seco vale mesmo. tô falando sério. o difícil é achar espaço para comer, no Mercado Público. são pouquinhas mesas livres. mas isso faz parte da aventura, e eu curto o pacote todo, sempre. comemos em pé, atrás de umas caixas de frutas, equilibrando o pão, a coca, o guardanapo e a felicidade. delicioso. inenarrável. piu piu piu.
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e faltou falar das pastas apimentadas de grão de bico, espinafre e beringela., com pão árabe, do Agadir.
e dos doces do Amor em Pedaços ou o sorvete do Fredíssimo que eu não tomei. :(
com o rolo do meu computador não tinha passado por aqui. só agora vi que repeti esse post lá no meu blog. só que com essa cabeça de gordo - como fala a thelma -, fiquei só com a gastronomia.
ia ficar muito grande falar do cultural.
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