11 outubro 2006

a italiana

cresci ouvindo a história de que uma cartomante chamada Felicidade previu meu nascimento. que meu cordão umbilical era curto e quase morri durante o parto. e que uma semana antes já estava pronta para nascer. cresci entre botões e pedrinhas coloridas de minha mãe costureira, a mãe que fazia roupinhas para minhas bonecas com os retalhos das roupas das clientes. cresci com a memória de jantar, quando o sol morria e já de banho tomado, uma comida de aviãozinho.

meu pai, ambicioso, mudou-se de Montenegro para Santa Maria, com o desejo de estudar e se tornar alguém. foi encontrado por minha mãe enquanto se divertia com os amigos jogando bilhar. cresci ouvindo a história de que ela botou o olho nele e decidiu o que queria. mandou um bilhete dizendo “quero dançar contigo”. e ele foi, pois sabemos que nem mesmo o bilhar pode conter um cavalheiro.

meu pai trabalhou e estudou, enquanto ela costurava. tiveram filhos, enquanto ele se formava e ela costurava — com capricho exemplar, apegada aos detalhes, criativa, varando as madrugadas. o mesmo carinho com que ela cuidou de sua própria mãe e depois de seu pai.

lembro de minha mãe levando meus irmãos para treinar handebol, buscando nas festas, presenteando as noras. a cozinheira incansável fazendo potes de papo de anjo para o genro. lembro de minha mãe bordando, lantejoula por lantejoula, um estandarte de nosso grupo de carnaval. lembro de tantas coisas.

hoje minha mãe faz setenta anos. dizem que uma mãe nunca supera completamente a morte de um filho, e vejo na minha mãe a força extrema para compreender o que não compreende. Emiliana, a italiana bela, corajosa, generosa e divertida que ainda mora naquele sorriso, a italiana que divide com Rafaela, a neta mais velha, o dia 11 de outubro. e que aos setenta anos me faz lembrar, lembrar e lembrar.

9 comentários:

Anônimo disse...

Linda homenagem a uma mulher, uma mãe que certamente merece. Como lhe disse em pvt, grande privilégio esse seu e fico feliz que o reconheça.

Também sou filho de costureira...

Grande beijo, Márcia,
Minhas congratulações e respeito, D. Emiliana,

Graziana Fraga dos Santos disse...

lindo texto Marcia!
Parabéns pra você e para Dona Emiliana :)

Telejornalismo Fabico disse...

*


essa é a força dos benetti que passa de geração pra geração.
emiliana é movida por uma força explosiva, daquelas que abre espaço a machadadas, mas desvia o caminho pra não pisar na flor. é criativa, prestativa, previdente, impositiva e extremamente amorosa.

têm olhos que faíscam quando não gosta de algo, mas que brilham quando está feliz.

gerou um serzinho tão complexo quanto ela, com a força avassaladora de um vulcão e a docilidade de um papo de anjo, além da plumagem amarelo ouro, é claro.

emilina, só por por existir, devia ganhar um prêmio: é única, fascinante e tem um sorriso lindo.


*

Ana disse...

Doces lembranças, Márcia!
Parabéns e muita saúde para tua mãe!
Que a vida lhe dê muitos motivos pra ela manter este sorriso, que tanto te alegra, no rosto!

N.C. disse...

Quantas lembranças bonitas!
Meus pais nunca me contaram, exatamente, como se conheceram...

Rosamaria disse...

pinta, me emocionei com teu texto, com d. Emiliana, com a lembrança da minha mãe, que tb era costureira.

minha mãe tinha horas de lucidez e perguntava por meu irmão que tinha falecido. imagina só, a cada vez, saber da morte do filho!

um beijo pra d. Emiliana e que ela consiga ter sempre essa força, renovada pelos netos.
parabéns!

piu, piu.

Thelma disse...

Parabéns para as duas!

Elis disse...

Putz, eu nunca tinha chorado ao ler um post. Antes desse.
E qq hora dessas te conto o motivo.
Mais 70 anos pra Dona Emiliana, com toda a minha reverência.

Anônimo disse...

Só tenho uma queixa quanto ao teu blog. Deves escrever mais e mais seguido. É muito bom!!!
Beijo
Carrion