24 novembro 2006

volver


as cores de Almodóvar

o cinema, com suas narrativas de luz, sombra, ritmo e palavras, aciona modelos de como ser. em “Volver”, Pedro Almodóvar recria o maniqueísmo simplista do modelo que separa homens e mulheres. seu universo masculino é condenável: desejo egóico, vagabundagem e traição. já para suas mulheres estão reservadas todas as complexas sensibilidades de dor, saudade, força, inteligência e cumplicidade. e o pungente amor.

a plasticidade de Almodóvar está lá. a belíssima textura da toalha branca de papel que se enche de cor. os reflexos da vida em movimento na lataria do ônibus vermelho. os fundos vibrantes e laranjas, os olhos carregados de maquiagem, os laços e as fitas, os azulejos e os bordados. os cabelos sendo lavados e tingidos, os copos de gelo e sal, os palpáveis tomates. endereços de uma emoção feminina que, diz-nos o diretor, põe o mundo que importa para girar.

suas mulheres são fortes, amorais e passam pela vida como um trator que resolve os dilemas de um mundo mau sem nenhuma crise de consciência. a maldade do mundo, sempre relacionada ao sexo, é causada pelos homens. é altamente simbólico que as mulheres do início do filme limpem os túmulos de seus algozes com alegria incontida — alegria só perturbada pelo vento, este masculino impertinente.

estando mutuamente amparadas, a lógica que une as mulheres traça um rendilhado de placidez. na fábula arrastada de Almodóvar, o estranhamento que poderia arruinar o mundo encantado de paz e serenidade feminina merece o inferno. plácida é a bela e lacrimejante Penélope Cruz. plácida é a jovem Yohana Cobo. plácida é a conformada Lola Dueñas. plácido é o final.

é emblemático que a única mulher de atitude desprezível esteja a serviço da mídia, do escândalo e da pequenez de um programa de auditório. esta mulher não olha de frente, porque não tem nos olhos a grandeza de todas as outras. não se pode confiar em uma mulher que não lacrimeja.

em “Volver”, Almodóvar mata por completo tanto o amor masculino que havia narrado de forma sublime em “Fale com ela” quanto as nuances da mulher sexuada de “Ata-me” e “Carne trêmula”. resta a cor.

7 comentários:

Anônimo disse...

Márcia,

Excelente relato (que não abre o jogo para quem ainda não viu) e apurada percepção. Você só não disse o que pensa deste movimento do Almodóvar quase que canonizando as mulheres e fazendo dos homens, como você disse, seus algozes. E aí?

Beijo,

Marcia disse...

little lion, vc sabe o que eu penso sobre isso. :)
detesto lógicas maniqueístas, pois todos temos zonas de sombra. homens e mulheres.

Graziana Fraga dos Santos disse...

bela crítica, como a do Sean :)
quero ver logo este filme, vi o grande truque no dia que sai pra ver Volver, por causa do horário...

Telejornalismo Fabico disse...

*


almodóvar esvaziou de sentimento as ações. nada gera catarse, nada comove o suficiente para emocionar.
ficou a cor, como vc disse.
que se transforma em preto e branco quando não tem nada a dizer.


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teu blog não renova pra mim outra vez.
só hoje entrou os posts novos.
vc tá republicando o índice?



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Marcia disse...

sim, xuxu, republico sempre o índice. não sei o que está havendo, não.

Rosamaria disse...

Se fiquei curiosa para ver o filme com o post do Sean, com este teu e a crônica da Martha Medeiros fiquei mais ainda.
Volver ainda não chegou aqui.

Thelma disse...

Bahhhhhhh...acho que tu, o Sean e eu nao vimos o mesmo VOLVER. Só pode ser isso. Bjs.