19 abril 2007
o louco
de todas as cartas do tarô, a que mais me fascina é O Louco (ou O Tolo). não por acaso, é a primeira carta dos Arcanos Maiores. é o herói que inicia sua jornada, representado, nos mais diversos baralhos, como um idiota ingênuo que caminha sem olhar onde pisa. em algumas iconografias, ele caminha precisamente para um abismo, levando apenas uma trouxinha nas costas. a despeito da tragédia que o espera, está feliz. e ainda tem a companhia de um simpático vira-latas.
quem conhece o tarô sabe que estamos tratando de arquétipos. e quem conhece Jung e sua arquetipologia, sabe que isso é a vida em seu mais puro psiquismo. não se trata de reconhecer o tarô como ciência ou de lhe dar um estatuto de adivinhação sobre o futuro. francamente, esta é uma discussão que me interessa muito pouco. o que realmente me interessa é compreender a jornada arquetípica dos Arcanos Maiores e o significado dos quatro elementos (água, fogo, terra e ar), no caso dos Arcanos Menores.
o Louco está em você quando você inicia uma jornada. o pressuposto é que a vida é formada por ciclos. mas um novo ciclo só acontece quando outro se encerra, o que significa que algo deve terminar para que outro algo possa começar. e então temos as dificuldades operacionais de abrir espaço, interiormente, aos nossos Loucos.
primeiro, porque geralmente não permitimos que os ciclos se encerrem. temos grande dificuldade em deixar pessoas e projetos “irem”. às vezes isso soa como perda (e pode ser), outras vezes entendemos como fracasso. nossa cultura não nos habituou ao desprendimento, especialmente em relação ao outro. nem sempre vemos que deixar alguém ir, o passado ir, é um ato de generosidade e de coragem.
segundo, porque geralmente temos medo do desconhecido. outras rotinas, com outras pessoas, desafios, linguagens e propostas são coisas que podem nos desestabilizar. é preciso ser um pouco Louco para aceitar começar tudo de novo, colocar uma trouxinha nas costas e ver no que vai dar.
terceiro, porque não admitimos que somos seres altamente imaginativos. estamos tão empenhados em fazer sucesso, obter reconhecimento e ser desejados, que deixamos de lado qualquer coisa que signifique o risco do ridículo ou do patético. não nos permitimos ser Tolos. estamos sempre muito preocupados em olhar firme para o chão que pisamos e em levar uma mala cheia das coisas que poderemos precisar.
os Loucos que moram em nós são constantemente sufocados. alguns velhos ciclos estão pedindo aposentadoria, e ainda assim nós relutamos – por inércia, por medo, por excesso de apego, por erro de avaliação. bastaria pegar a trouxinha, chamar o vira-latas, abrir o sorriso e permitir-se ser Tolo, sob o sol, à beira do abismo. e ver o que há.
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19 comentários:
eu vou assim, como já fui muitas vezes, sem nem o vira-latas como companhia. você vai ver...
bá.
O louco que somos quando iniciamos uma jornada, começa, ao longo dela, tornar-se covarde. E aí, fica difícil terminar uma jornada e iniciar outra, já que pra isso, precisamos resgatar a loucura que a covardia escondeu.
Por outro lado, falta-nos criatividade pra entender que, nem sempre, uma jornada precisa ser terminada pra se começar outra. Nem toda jornada é um ciclo e, mesmo se for, é possível, com criatividade e, principalmente, desprendimento, iniciar um ciclo sem que algum outro se feche. Nossa vida não precisa ser senoidal. As jornadas podem ser paralelas ou até mesmo ter direções distintas.
E esse medo de deixar as pessoas irem, ao qual você se refere, talvez seja mais a dificuldade de perceber que é possível receber uma nova pessoa chegando, sem que outra pessoa precise ir.
Bás duplos.
Ah, o Arnaldo desestruturou tudo agora... :D
Eu sofro um pouco de 'desapego', não tenho medo nenhum das mudanças - apesar de ser um pouco nostálgica, às vezes. Mas a parte do 'seres imaginativos' me pegou... Sou assim - e isso às vezes dói!
PS: mas tbm acho que não somos apenas ciclos... Prefiro a complexidade das paralelas em sentido contrário! Hehe
Pinta, eu adoro o tarô! E sinto que meu louco é um pouco insubmisso e autônomo, embora nao irresponsável. Ele nao se deixa sufocar facilmente. Minha trouxinha está sempre pronta para ser usada e eu sou o próprio vira-latas. Acho que a tolice me é inerente. Nao sei se é bom ou ruim. Simplesmente, é.
Sentado confortavelmente neste texto, posso assegurar, depois de quase seis décadas de vida: o que fica é o que construímos quando somos ou fomos loucos. Esse andar no abismo é a única coisa real que nos segura depois de tanta jornada. Nossa loucura, mesmo eventual, mesmo escassa, é o resíduo mais poderoso da vida que ofertamos para nós e os outros. É o que me ocorre ao navegar neste córrego limpo de gotas-palavras, fontes livres desse medo que nos trava, felizes por cumprirem sua vocação de mar.
adoro essas análises do tarô (não como adivinho do futuro) mas como compreensão da vida mesma.
estou numa fase em que preciso deixar o louco sair, mas ao mesmo tempo está difícil de matar a fase anterior...hehehe
me encontro nos ultimos tempos no inicio de novas jornadas e no final de outras, mas é dificil abrir espaço interior...
mas acho que é assim mesmo, as mudanças nos fazem crescer, fazem parte da vida, de todo o ciclo.
adorei o texto, não entendo nada de Tarô, mas tenho curiosidade sobre ;)
*
eu diria que temos um louco diferente para muitas áreas da vida, pra muitas etapas.
em algumas o louco é imaginativo e puro e se expressa pleno.
em outras, como disse o Arnaldo, ele se acovarda e puxa o freio.
vivemos o embate desses muitos locos, ora criativos, ora tímidos, ora simplesmente ativos.
se vivêssemos sob a égide de um louquinho apenas, a queda seria fatal.
usando uma linguagem desse blog, a vida nunca carrega todos os ovos na mesma cesta.
*
The fool on the hill
John Lennon & Paul McCartney
Day after day
Alone on the hill
The man with the foolish grin
Is keeping perfectly still
But nobody wants to know him
They can see that he's just a fool
And he never gives an answer
But the fool on the hill
Sees the sun going down
And the eyes in his head
See the world spinning around
Well on his way
His head in a cloud
The man of a thousand voices
Talking perfectly loud
But nobody ever hears him
Or the sound he appears to make
And he never seems to notice
But the fool on the hill
Sees the sun going down
And the eyes in his head
See the world spinning around
And nobody seems to like him
They can tell what he wants to do
And he never shows his feelings
But the fool on the hill
Sees the sun going down
And the eyes in his head
See the world spinning around
Round and round and round
He never listens to them
He knows that they're the fools
The don't like him
But the fool on the hill
Sees the sun going down
And the eyes in his head
See the world spinning around
Rita Lee canta, em seu CD "Bossa'n Roll" (ao vivo).
bjo,
Clélia
Adorei o mote: "pius íntimos"!
Minha descrição no profile do blogger é mais ou menos isso..
Por não me apegar muito ao que passou e me atirar ao novo, muita gente me critica, alguns acham que sou insensivel e tudo o mais, mas apenas aceito os desafios como eles me aparecem, e não fico pensando no que vou perder.... A palavra SE não cabe na minha vida:
e SE eu tivesse ido?
e SE eu tivesse dito?
e SE eu tivesse feito?
Gostei muito do post....
Muito bom!
Penso sempre em pessoas da minha família que não compreendem o desprendimento, o fechar uma porta e avançar em direção à outra. Além disso, o sempre penoso e pesado passado que algumas pessoas insistem em não deixar ir embora, achando inclusive que o presente deveria ser igual a algo "que já foi um dia".
Como é difícil lidar com isso em algumas situações!
como disse Lulu "nada do que foi será do jeito de já foi um dia"
bjs
Márcia, boa Pinta:)
Gosto de tarô mesmo sem entender nada e o louco me atrai também!
Lendo seu texto me veio o livro de Rosa Montero, A louca da casa, que é muito bom...vc deve saber...
besitos
tita
Cara Pintinha,
A eu não sei, você sabe? fez-me lembrar que tudo começou na noite de 3 de janeiro, deste ano, quando, finalmente, criei coragem de lançar na blogosfera, o Achados & Guardados... Os 4 primeiros posts que escrevi foram sobre "A louca da casa", da escritora espanhola Rosa Montero. Passe por lá e revire, um pouco, o meu baú...
Bjo & cafuné, nesta cabecinha amarela!
Clé
Patrícia e Clélia, eu tenho este livro e gosto muito dele. muito mesmo. :)
Clélia, eu já revirei tudo no seu blog. por isso acho que vc podia escrever um pouquinho mais, sabe? :D
Pois foi o que saiu pra mim, quando joguei no primeiro dia do ano...
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