31 maio 2007

TVE

quem é jornalista tem – ou deveria ter – alguma clareza sobre a diferença entre uma TV pública e uma TV comercial e, conseqüentemente, sobre a importância de se manter, em uma democracia, os canais públicos de televisão. não estou falando aqui do fato de que todos os canais, no Brasil, mesmo os comerciais, são por lei concessões públicas do Estado, que tem o dever e o poder legal de regulamentar o uso destes espaços, permitindo ou não a sua renovação. em nosso país, as concessões parecem eternas, e o recente caso da venda da concessão da Guaíba para a Record mostra que as empresas vendem até o que não lhes pertence.

mas não vou falar dessas escandalosas negociações. vou falar apenas das TVs realmente públicas. no Rio Grande do Sul, temos a Fundação Cultural Piratini, que detém a TVE e a FM Cultura. a Fundação tem um Conselho, criado legalmente pela Assembléia Legislativa. este Conselho não pode ser instalado e desinstalado pelo governador de plantão, estando – pelo menos em tese – resguardado dos desmandos e dos humores da política partidária. como em todas as instituições que possuem um regimento a ser respeitado, o Conselho é superior ao presidente da Fundação. mas é difícil conviver com a diversidade de opiniões, quando temos governantes que não gostam de ser contrariados e não estão acostumados ao diálogo.

desde que a tucana Yeda Crusius assumiu o governo do Rio Grande do Sul, em janeiro deste ano, criou-se uma crise na Fundação. esta crise, é claro, sempre se revela quando as pessoas não compreendem a diferença entre o que é público e o que é estatal. se um governante pensa que uma TV pública é uma extensão de seu arsenal de propaganda e que pode intervir no jornalismo de uma emissora pública, é evidente que encontrará resistências no corpo de jornalistas.

o Conselho da Fundação reuniu-se pela primeira vez este mês. foi uma reunião tensa. ontem os técnicos fizeram uma assembléia e lançaram um manifesto. neste texto, expõem as péssimas condições de produção e difusão da FM Cultura e da TVE, entre elas o escandaloso fato de que apenas 12 das 40 retransmissoras do interior do Rio Grande do Sul estão funcionando. denunciam a falta de fitas para gravar, de pessoal, de combustível e de peças de reposição para manutenção de equipamentos. alertam para o fim de programas e para a censura no jornalismo.

não vou entrar aqui na questão mais específica do regime jurídico da Fundação, que é outro ponto polêmico em debate pelos funcionários. o que me interessa é ressaltar a importância de um Estado como o Rio Grande do Sul investir em uma televisão pública como a TVE. para mim pouco importa que partido está no poder, porque uma TV pública não é uma TV estatal. ela não está a serviço de um poder, e sim a serviço de uma sociedade. a concepção de uma TV pública é uma concepção de cidadania.

não é detalhe que apenas 12 das 40 retransmissoras gaúchas estejam operando. se um sinal não pega em diversos pontos do Estado, esta TV simplesmente não é vista. a primeira morte que se pode decretar para um produto midiático é a invisibilidade material. se eu faço um programa, mas ele não é retransmitido em lugar algum, ele não existe. para corrigir isso, é preciso investir dinheiro público, e então é preciso compreender que a comunicação é um direito do cidadão.

também não é detalhe que não existam condições técnicas de produção. se não tenho carro, câmeras, fitas e cinegrafistas, não posso fazer reportagens. não posso fazer televisão sem imagens. se não tenho jornalistas em número suficiente, não posso produzir coisa alguma. não adianta ter boas idéias, se não tenho como executá-las. televisão exige investimento. e, evidentemente, exige captação de recursos. então é hora de discutirmos seriamente a possibilidade de captação de recursos que possam manter a TVE funcionando, especialmente o seu jornalismo.

dou destaque ao jornalismo, porque quem é da área compreende o deserto em que vagamos no Rio Grande do Sul. basta olhar com um pouco mais de espírito crítico a cobertura pífia que nossos veículos comerciais costumam fazer de todos os temas. os gaúchos, que em outros tempos já foram exemplo de politização, cultura e conhecimento, estão hoje imersos em um mundo de mediocridade na cobertura de praticamente todos os assuntos. temos, de um lado, uma vasta produção de conhecimento nas universidades e em outros campos de produção cultural, e, de outro, as mesmas fontes dizendo as mesmas coisas, nas mesmas pautas recorrentes, nos veículos tradicionais que insistem em tratar seus leitores, ouvintes e telespectadores como um bando de idiotas.

a TVE está mergulhada em um silêncio constrangedor. poucos se preocupam com ela. alguns nem sabem que ela existe. outros acham que não têm nada a ver com a sobrevivência e o crescimento dos canais públicos de televisão. no entanto, se você mora no Rio Grande do Sul e paga seus impostos, você é um pouco dono da TVE e tem direito sobre ela. você pode não ver, pode não gostar, pode até não se importar. mas de algum modo, pode ter certeza, você perde se a TVE naufragar.

16 comentários:

Anônimo disse...

é, eu sentirei diretamente se acontecer algo com a FM Cultura, por exemplo. os três conceitos - estatal, público e privado - deveriam estar na súmula de pelo menos uma cadeira bem dada de jornalismo.

Anônimo disse...

é, eu sentirei diretamente se acontecer algo com a FM Cultura, por exemplo. os três conceitos - estatal, público e privado - deveriam estar na súmula de pelo menos uma cadeira bem dada de jornalismo.

Anônimo disse...

No corte de gastos, cortaram tudo na TVE. Pois o que menos o pov precisa é cultura, não é mesmo? Meu pai adora a TVE. Eu faz tempo que não vejo. Sabe que televisões de cunho estatal deveriam funcionar a parte de disputas políticas. Por essa e por outras, que eu me desencantei totalmente com a profissão. Abs

Reges Schwaab disse...

eu fico abismado com o descaso da maioria das pessoas e esse desconhecimento até da existência do canal. se funcionasse com a mínima dignidade a TVE cobriria 70% do território gaúcho. é a única TV atuante hoje que poderia ser uma opção para a população. poderia... quem já visitou as instalações da TVE sabe como é triste ver em que estado está e que tipo de produção consegue fazer a nossa TVE. e cabe registrar que há inúmeras opções para estabelecer redes (blocos regionais com as universidades), cooperações mesmo, aproveitar essa possibilidade e mostrar de verdade o que acontece no RS. mentes pequenas, só pode dar isso.

Luci Lacey disse...

Oi Marcia

E um caos o descaso das nossas autoridades em todas as areas.

Cortaram tudo praticamente neh?

Falta verificar o padrao de vida e a conta bancaria deste pessoal.

Beijinhos

Thelma disse...

É preocupante meeeeeesmo! Parece que a sociedade vai sofrendo um "adormecimento" e, devagarinho, vai perdendo suas conquistas e direitos. O exercício da cidadania deixa de ser uma prática independente e fica vinculado ao poder político do momento. Preocupante e triste!

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
LU K. disse...

é, realmente é preocupante uma situação dessas...

e mudando de assunto, qdo der, olha lá no meu blog o post "perguntas idiotas, respostas cretinas". lembrei de ti! hehehe...

beijos

Unknown disse...

Na TVE gaúcha, fiquei 40 minutos no ar em 2004, na Feira do Livro, junto com Paulo Markun e Marco Celso Viola. Onde uma TV comercial daria esse espaço para um poeta? Por que querem merdear tudo? Para transformar todas as concessões públicas em vitrines de anúncios repetidos, de interesses políticos e comerciais, para dar voz a tantas nulidades? Vamos fazer um teste: quando é que vimos o maior intelectual brasileiro vivo, Roberto Schwarz, falando na televisão? Agora, o que tem de idiota ocupando horas da programação, não está no gibi (para usar uma expressão muito antiga).

Maroto disse...

adicione-se, a bem da verdade, que a desmontagem começou antes da chegada da Yeda

Marcia disse...

Jousi, concordo contigo. suponho que esta diferença seja parte de Fundamentos de TV. não foi?

Maitê, ser jornalista é difícil como em qualquer outra profissão. assunto complexo demais para comentar aqui, mas para qualquer profissão é preciso ter duas coisas: talento e vocação. só talento não basta. :)

Reges, é bem isso.

Luci, a situação do Rio Grande do Sul é bastante grave. existe um empobrecimento geral e pouco investimento do Estado em ciência, tecnologia e cultura. sem contar as áreas básicas.

Thelma, é exatamente uma discussão de cidadania.

Lu, vou lá ver.

Nei, é exatamente isto. este espaço alternativo e consistente não pode ser perdido, pois de idiotia a TV comercial está repleta.

Maroto, eu obviamente não vou expor aqui minhas fontes, mas estou muito bem informada. o desmonte da TVE começou antes da Yeda, mas a intervenção direta no jornalismo começou neste governo, sim. e isto é inadmissível.

Adriana Amaral disse...

isso é um absurdo... a TVE sempre teve programas legais, eu até falei num post dia desses que conheci um dos meus amigos de pré-adolescência por um programa que passava à tardinha no lugar do Radar. Tinha altas dicas culturais e era bem produzido. Ele era quadrinista e foi lá falar do assunto. Onde mais veríamos "culturas de gueto" sendo discutidas? Ah... isso me deixa indignada e triste em ver que noss estado está regredindo, coisa que venho notando há tempos...

mudando de assunto, postei a chamada da sbpjor lá no blog do Mestrado.

ninguém disse...

Márcia. Falaste tudo. Trabalhei lá nos últimos seis meses do governo Rigotto, o Sean esteve por lá no governo Olívio. Eu, na assessoria de imprensa, o Sean no jornalismo. Ambos conhecemos aquele outro lado do balcão. Realmente, estamos anos luz do patamar bem-sucedido da TVE no Rio e da Cultura de Sampa. Acompanhei de perto os esforços do Flávio Dutra, na presidência da Fundação, para tentar mover aquele concreto todo. Difícil. Não só por causa das causas externas, que, tens razão, emperram tudo. Mas também pelas internas. Há um descaso interno, também, claro que não em todos os setores, mas há. E te digo isso porque passei meses tentando convencer produtores a fazer o gesto mais simples: disponibilizar material que gerasse notícia. Muitas vezes, telefonando, correndo atrás. Desisti e fiquei com quem reconhecia seu trabalho como importante, apesar de todos os pesares. A gente pode até falar em desmotivação. Mas sou dura neste aspecto: quando a gente é profissional(e lá coloco eu meus 30 e tantos anos de trabalho em diferentes redações), se dá a volta por cima.
abraços, pius e beijos
maristela

Marcia disse...

Adriana, obrigada pela divulgação. espero que o congresso da SBPJor seja um sucesso tão grande quanto o da Compós. aliás, já estou me preparando. \o/

Maristela, é isso e é complexo. eu queria ser dona de um jornal (haha, "sonha, filha"). vc seria editora de cultura. :P

Chawca disse...

Bom, aqui na minha cidade pega um canal TVE, mas como li aqui nos comments acho que é a do Rio... Mas gfosto bastante da programação do canla, que é uma alternativa as mesmices dos outros canais...

Uma pena tudo isso...

Um beijo e ótimo fds,,

Anônimo disse...

nunca em minha vida vivida entre Rio Grande e Pelotas (portanto, até os 19 anos) eu vi TVE, porque simplesmente não pegava. De vez em quando dava pra ver uns fantasmas no canal 2, e era só. Sempre achei isso um absurdo. Lá quem não tem parabólica ou Net não sabe sequer o q é o castelo Rá-tim-bum, nem conhece a Ivete Brandalise. Esse é um problema muito antigo mesmo, e q eu em vez de melhorar, só piora.

E piora inclusive a qualidade das coisas. Ver a Magda Beatriz achatada contra um fundo azul no jornal, ou a edição de imagens horrorosa de 80% das matérias é deplorável. Só não é pior do que ver reportagens com as várias repórteres retardadas da RBS.