24 maio 2009

sacolinha

há momentos, assim, em que você é obrigado a desistir. você nem queria, nem estava cogitando, na verdade nem passava pela sua cabeça. era tão sólido, tão consistente, tão para sempre. bem, pelo menos parecia. mas em alguma virada de esquina as coisas mudaram. foi o vento? foi a lua? foram as perspectivas? de que adianta saber por que as coisas mudam? a única verdade do mundo é ser imprevisível.

então você se vê na metáfora de uma casa que foi destruída por um terremoto. você volta lá para revirar os escombros e ver o que sobrou. mais: para ver o que pode fazer com o que sobrou. porque, convenhamos, sentimentos não são suficientes nesta vida. eles só valem para você mesmo. importa é saber o que fazer com eles, como agir diante deles. ou apesar deles.

você não estava preparado para uma terra tão arrasada. se alguém dissesse que isso iria acontecer com você, você teria rido. tudo bobagem: na verdade, a gente nunca está preparado para algo assim, que atinge o centro.

somos todos arqueólogos de nossos amores. quer queira, quer não, você vai ter que pisar nestes escombros, segurando uma lanterna, e olhar tudo com atenção para achar ali o que pode ser guardado. esta é a sua coragem. você junta um retalhinho de pano, um pedaço de uma foto que resistiu, um cálice que não estilhaçou, uma caixinha que não queimou. com concentração, paciência e gentileza, você enche uma sacolinha com as coisas que representam uma experiência que jamais será esquecida.

e aí você se dá conta, entre o espanto e o desalento, de que será obrigado a desistir (do que sentia). não era a sua vontade, mas viver é assim mesmo. casas se erguem, você vive e dança nelas. e um dia você sai com uma sacolinha. tão preciosa, tão maravilhosa, tão significativa. tão sua, que apenas para você ela faz sentido. e desistir significa, também, saber do quê se está desistindo. de tudo? não. na verdade, depende do que você recolheu na sacolinha. é dela que vão sair seus novos sentimentos, suas novas perspectivas, seu novo você.


12 comentários:

Caco disse...

Tu sempre cria as melhores imagens para ilustrar aquilo que não se ilustra.

Espero que tenhas ensaiado bonitos passos de dança dentro da casa e que dela saias com cálices e caixinhas preciosos.

Um beijo
CACO

Luciano Alfonso disse...

Bah, lindo este texto, hein amiga!?

Anônimo disse...

as vezes tu me tira o fôlego...

Caminhante disse...

Lindo, nem tenho mais o que dizer.
(nunca comentei, mas não apenas vivo aqui como tenho o blog favoritado no meu o.O)

Penkala disse...

quisera não ter lido isso.

Ana disse...

Ai, Pintinha
Do jeito que sou apegada, que quero guardar cada detalhe, sem me desfazer de nada...
Nem sei mais o que é importante pelo que é ou se é só o costume de acumular sentimentos, mas tem vezes que acho que arrasto uma mala!
(Não que não tenha visto tudo ruir, mas porque guardo até o que não serve mais pra nada.)
Vou assimilar mais tudo isso que tu falou... Tentar aprender.

Amanda Costa disse...

Acompanho teu blog há um tempo já e vou dizer que esse foi o melhor texto teu que eu já li.
Adorei.

Amanda Costa disse...

E obrigada por ajudar meus colegas da Fabico com o vídeo deles.
Beijinho.

Carlos Eduardo Carrion disse...

A idéia primeva não é minha, mas nesta vida nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Tinha na mente como um conceito.

A alegria do Amor,
te explico amada,
A Arte não alcança.

O teu escrito mostra que eu posso estar enganado. O que, para as minhas fantasias de onipotência, não é pouco.

Dalys disse...

Me gustó muchísimo, volvieron situaciones y sentimientos que estaban en algún lado guardados... salieron, así como una fragancia que queda en el aire después que abres una caja recuerdos...

Patricia disse...

Bah... teu texto caiu como uma luva para o meu período atual, só que em vez de uma sacola talvez precise de algumas malas :)
Sei lá o que o futuro me reserva! Vediamo!!

Baci

ldsacramento disse...

eu nunca tinha me identificado tanto - mas tanto - com um texto. :)