03 maio 2006

apenas movimento

há muito tempo compreendi que a vida é apenas uma coisa: movimento. nós tentamos parar este movimento e organizá-lo em torno de estruturas, categorias, eixos, gavetinhas. nós precisamos fazer isso, precisamos criar estas âncoras que nos mantêm seguros em relação ao mundo ou ao que nós imaginamos que o mundo seja. seria insuportável acordar a cada manhã e não saber o que vamos encontrar lá fora. bem, na verdade não sabemos, mas a ilusão de que sabemos nos mantém emocionalmente estáveis. uma música do Renato Russo diz que “é preciso amar como se não houvesse amanhã porque, se você parar pra pensar, na verdade não há”. não, não há amanhã. verdade insuportável, a menos que se compreenda que somos movimento.

cientistas costumam ser extremamente apegados à razão. porém, cada vez mais me convenço de que pesquisadores, quando atuam com autonomia, fazem suas escolhas movidos por interesses que são anteriores, nebulosos, intuitivos, emocionais. a explicação para nossas motivações nem sempre está acessível ao consciente.

quando escolhi o tema de meu doutorado, rumei para um campo com o qual não tinha nenhuma afinidade intelectual: a religião. minha formação é racionalista, materialista, marxista, altamente estruturada e causal. e de repente eu estava interessada, evidentemente sob a capa de muitas justificativas racionais, em compreender o bem e o mal. mergulhar na mitologia do diabo foi fonte de grande prazer intelectual. vasculhar bibliotecas, sebos, arquivos, imagens. compreender como esta figura mítica atravessa a história da humanidade em diferentes culturas e como está presente no nosso imaginário.

a formação racionalista continua lá, mas há imensas rachaduras em seus pilares. quanto mais avanço nos estudos de discurso, mais frágeis são conceitos que me pareciam tão sólidos anos atrás. minhas convicções são de espuma e eu caminho para uma única certeza: somos caos e não deveríamos ter receio de ser caos.

quem não viu o documentário Quem somos nós?, deve tentar ver. mesmo quem não entende de física quântica pode compreender do que todos aqueles cientistas estão tratando: de movimento, de ruptura, de um outro paradigma. o mundo é mais do que aquilo que está lá fora para aparentemente ser descoberto. a realidade é o que eu crio, pois meu cérebro não distingue entre uma imagem “real” e uma imagem “imaginária”. sou eu quem cria as estruturas, os eixos, as categorias, as gavetinhas. portanto, posso criar outras estruturas de pensamento — desde que eu não tenha medo do caos. desde que eu não tenha medo de estudar o yin e o yang, os astros e as linhas da mão. desde que eu não desdenhe do diabo que me habita.

2 comentários:

Ana disse...

...

Adorei.

Me fez pensar em algumas das minhas gavetas...

Ahh! E ando morrendo de vontade fazer umas festas com o diabo que me habita!!

katine walmrath disse...

depois a bruxa sou eu...