21 agosto 2008

Portnoy



terminei de reler O Complexo de Portnoy, de Philip Roth. para dizer o mais óbvio, é um belo texto sobre as terríveis conseqüências do excesso de amor de uma mãe judia. para dizer o mais relevante, são insights finamente irônicos sobre a culpa, o medo da liberdade e a busca de reconhecimento. para dizer o universal, é o onipresente sentimento de dever algo a alguém – dever cumprir expectativas que não são suas, dever corresponder a exigências com as quais não concorda, dever ser perfeito quando você sabe que isto é impossível.

o livro é a narrativa em jorros de Alexander Portnoy, que conta sua vida a um psiquiatra. os eventos que Portnoy coloca em relevo são às vezes engraçados e às vezes comoventes. são sempre, sobretudo, uma parte de nossa humanidade complexa, em que mães com medo de perder seus filhos acabam por gerar indivíduos neurotizados pela idéia de perfeição.

o que Portnoy busca – seja em suas persistentes rotinas de masturbação, seja nas apaixonadas mulheres que abandona, seja em um trabalho socialmente relevante – é apenas aprovação. não é, contudo, uma aprovação qualquer. ele quer ser aplaudido por uma mãe exigente à qual jamais agradará plenamente e por um pai reprimido que se acomoda em um espaço de domínio feminino.

Portnoy é um menininho de mais de 30 anos paralisado pela própria imperfeição. racionalmente, identifica com soberba lucidez seu estado de sujeição ao inatingível ideal materno, uma sujeição paradoxal e fundada no conflito. emocionalmente, reproduz o comportamento paterno eivado de contradições.

o que Philip Roth tenta demonstrar é que o amor precisa ter suas medidas. se é pouco, suscita o medo da rejeição, um medo que estará presente na desconfiança, na arrogância que disfarça o infantilismo ou na agressividade que simula, por antecipação, um falso poder. mas a falta de amor parece ser menos danosa que seu excesso. neste caso, restam na memória as recompensas deliciosas pelos pequenos atos de um filho perfeito, o filho da mamãe, seu divino tesouro, as sensações maravilhosas que jamais se repetirão naquela magnitude.

o amor excessivo, o amor desmedido – tantas vezes exercido pelas mães que se preocupam demais, são fortes demais, dizem demais o que se deve fazer, prescrevem demais como se deve viver neste mundo, são presentes demais – convoca os filhos a cumprir metas que não são suas, e sim de suas mães. o que pode ser mais danoso do que planejar a vida do outro segundo valores que não são os dele e normatizar, amorosamente, seus ideais de felicidade?

6 comentários:

Maroto disse...

ser mãe é a coisa mais difícil que eu já fiz, a começar por ter que me conformar com algo sobre o qual ninguém nunca tinha me alertado, que é a dura realidade de que a mãe (assim como o pai) nunca vai alcançar o ideal de perfeição que os filhos lhe cobram, sobretudo quando ainda são muito jovens. Deve ser mais fácil escrever tese em chinês

Anônimo disse...

O complexo de portnoy é ótimo, mas sempre fui mais da Marca Humana. Mais adulto e, principalmente, mais doloroso. Ah, sou sua aluna na cadeira de redação jornalística na Fabico.

Ana disse...

Não existe manual para mãe, mas essa deve ser uma boa leitura...

Decidi que se tinha que errar, fosse pelo excesso: de amor, de cuidado, de carinho, de colo, de beijo... Mas fui sempre tão sincera, joguei tão limpo, quando falava das minhas dificuldades, que acho que eles entenderam que eu não queria filhos perfeitos. Queria - quero - filhos felizes, de bem com a vida, fazendo suas coisas, do seu jeito!

Penkala disse...

eu sou filha de uma mãe que, por conta de seus próprios complexos e por falta de condições pra criar uma filha no meio de gente retrógrada que sempre dizia que ela era/seria uma mãe péssima (porque me tirava de casa, com sete dias, apesar do PERIGO DO MAL DOS SETE DIAS). até bem pouco tempo, neuroticamente vivi pra preencher as altíssimas expectativas dessa mãe, que sempre me deu a impressão que eu ia falhar se fizesse algo sem os conselhos dela. me dei conta DA PIOR FORMA POSSÍVEL, mas o pior de tudo é superar isso depois que a gente se dá conta. e dar a ver, pra própria mãe, que ela errou feio, apesar de não ser culpa dela e apesar de ter sido por medo de me perder ou de eu me magoar, e que agora as coisas vão ser diferentes. mães e pais têm uma tarefa difícil, e os filhos também. isso é o que mais me amedronta: repetir os erros da minha mãe. apesar de que quero, sempre, reproduzir os acertos dela.

Anônimo disse...

minha mãe foi judia ao contrário. hehe

Ederson disse...

é um belo livro. eu li todo, menos as 5 páginas finais. cheguei lá e achei q não valia a pena ler até o final, porque o mais importante já tinha passado. Li outro livro dele há uns três meses (Lição de anatomia) e tive a mesma sensação: o melhor era até a metade, depois vai perdendo o sentido.