18 abril 2010

alfabeto enfurecido


obra de León Ferrari



obra de Mira Schendel


palavras me fascinam desde sempre. não acho que digam apenas pelo que "significam". dizem também por seus tons, vaguezas, lacunas. e, no caso de León Ferrari e Mira Schendel, dizem também por suas cores, disposições e espaços a ocupar.

a exposição "Alfabeto Enfurecido", que está na Fundação Iberê Camargo, me tomou por completo. não gostei de tudo igualmente, e não seria necessário. a força de ambos está ali, nas diferentes fases e nos diferentes materiais. há uma concretude plástica que, de algum modo, revela sempre a dificuldade de cada tela ou cada escultura. todas as peças exibem, para mim, este trabalho "industrioso", como diria Bachelard. este trabalho que é o bastidor da arte, normalmente invisível. e que, nestas obras, pude ver nitidamente, como formas translúcidas em alto relevo.

a palavra exige trabalho e investimento. jamais tem um encaixe perfeito, inevitavelmente deixa uma lacuna. não é suficiente conhecer seus significados, é preciso dominar os modos de disposição no tempo e no espaço. dizer é mais do que falar. dizer é um ato estético que me faz sujeito. dizemos com palavras, mas também com elipses. com hesitações, desmembramentos, rupturas. dizemos mesmo quando as palavras se retraem. e dizemos com cores.

há um componente político de tamanha força na obra de León Ferrari, que é impossível não ser tocado por ele. uma dor pujante, animal, visceral. inconformidade e crítica, no que estes conceitos possuem de mais autêntico. mas vai além. suas narrativas letradas me colocaram em posição de alerta sobre o quão intensos podem ser nossos sentimentos indizíveis.

a grafia desenhada, tremida, diversa de Ferrari. sua potência discursiva, seus mundos imaginados. talvez o que tenha mais me perturbado, e por isso fascinado imensamente, seja o não-dito que está escrito ali. o por-dizer.

2 comentários:

MC disse...

tb fui lá conferir essa exposição. adorei as obras na linha dessa da Mira, que postaste... mas eu queria mesmo correr no meio daquela instalação de fios de nailon no térreo do museu :P

Caco disse...

Fizeste-me com vontade de "veire" a exposição.
bjs