nunca tive muito interesse em saber o que havia depois da morte – se uma esquina, uma estrada ou um abismo. acho que não há nada. como já disse Castoriadis, o ser humano não sabe lidar com o Nada e o Sem-Fundo de ser humano. mas eu acho que a vida apenas acaba, como os amores, os projetos e aquele doce que mamãe fez.
sempre tive grande interesse, porém, nas ranhuras da morte para quem vive. as dores intermitentes, o poder de ignorar defeitos, a ânsia de refazer memórias. os às vezes longos períodos de silêncio e quietude, rasgados em fúria por uma lembrança banal que fere, derruba e massacra. e, então, o desejo desesperado e cheio de culpa de apenas esquecer. esquecer por um dia, esquecer por uma madrugada. esquecer.
“O homem e a morte” é o melhor livro de Morin. é um belíssimo tratado antropológico sobre o que funda nossa essência. o que nos causa terror. o que nos torna humanos, no sentido menos evidente da humanidade: nossas fraquezas diante da impossibilidade de reverter o tempo, reencontrar quem amamos, mudar a história, controlar a dor e eliminar o desejo de esquecer. o simbolismo da cultura vem tentar resolver estas impossibilidades. e assim se criam as esquinas e estradas que substituem os abismos.
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