nos anos 80 eu era uma pintinha jovem, metida e cheia de ideais, com veias pulsando e um mundo inteirinho para transformar. cheia de amigos, coração confuso de amores, muitas madrugadas para viver.
nos anos 80 conheci um cara. ele comia xis gelado no café da manhã e dirigia um fusca azul. fazia poemas em guardanapo de boteco, tocava violão e era bom no truco. tinha um certo jeitinho de rir, apertando os olhos, e uma falha charmosa na sobrancelha. carregava um canivete do avô e seduzia garotas baixinhas no bar do DCE. tinha mãos grandes e macias, voz de ameixa e o melhor abraço do mundo.
com ele, descobri tanto que nem é possível contar. fizemos muitas viagens, rodamos muitas estradas. fechamos todos os bares, sonhamos todos os travesseiros, planejamos todos os projetos. fizemos roteiros, jornais, fotos e tratados de psicologia barata. para ele eu mandei as primeiras flores da minha vida. para ele, fiz poesia. por ele, fiz poesia.
um dia, como sempre, cada um foi tratar do que lhe cabia. porque o mundo era maior que nossa casa, e viver o mundo parecia imperativo. a verdade, porém, é que certas amizades são superiores aos amores que provocam. sobrevivem ao tempo, à ausência, à quilometragem e aos matizes das diferenças. são tão raras e tão profundamente enraizadas, que crescem com tudo isso, à espera da palavra que ressurge no espaço e faz bater o coração.
este cara atravessou duas décadas cravado na minha alma. muitos silêncios depois, ele ainda é aquele amigo que faz minhas mãos sumirem nas mãos dele. e os quilômetros que nos separam nunca serão suficientes para apagar as estrelas que mapeamos e os luares que roubamos.
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