29 dezembro 2006

bons ventos

dias de faxina interior, arrumação de gavetas, doação do que não preciso mais. dias de pensar com prazer no jantar de Ano Novo, gelar a champanhe, comprar sal grosso e canela em pau. dias de ler Henry James, ver a lua, baixar músicas antigas, fazer a limpa nas canetinhas coloridas.

os dias que rondam o 31 de dezembro são sempre especiais para mim. gosto imensamente, desde pequena, destas marcações do tempo que são o aniversário e o ano novo. são épocas que funcionam como gatilhos da consciência e, embora a vida seja um fluxo contínuo, somos seres cíclicos que precisam, de quando em quando, destas pequenas paradas para enfim seguir adiante.

em 2006, dediquei grande parte do meu tempo a cumprir um compromisso assumido com um grupo que me é importante. realizar dois grandes congressos de jornalismo foi um desafio trabalhoso, que me deixou noites sem dormir e comeu muitos finais de semana. mas ver o sucesso deste trabalho foi uma satisfação que não posso narrar. perceber também quais pessoas cumprem a palavra assumida, e quais não cumprem, foi mais uma preciosa lição que levo para o futuro e que de certo modo me modificou radicalmente.

saber escolher cada coisa, cada amigo e o que fazer com cada valioso momento livre é um aprendizado que trago dos últimos tempos. foram extremamente importantes as curtas viagens sem preocupação, apenas pegar a estrada num domingo de frio, de sol ou de chuva e ver a vida correndo em outro lugar. minha alma é grata por estes pequenos momentos, pelas longas conversas, pela sensação de estar em casa quando posso carregar comigo a melhor pessoa que o destino me ofereceu.

também tive encontros memoráveis com um grande psiquiatra. ir àquela poltrona uma vez por semana é um esforço de aceitação e de superação que não posso substituir por qualquer outra coisa. se não posso esperar dos outros que me aceitem plenamente, posso empreender meu tempo para me conhecer melhor e ser mais condescendente com meus desejos, falhas, defeitos e promessas. é um investimento abstrato que pesa no bolso e torna a mente mais leve — espero que um dia me torne tão leve, que se possa finalmente dançar.

minha família, de sangue quente e dramas recorrentes, é a melhor família que eu poderia desejar. um pai que conhece as estrelas, uma mãe que ilumina o mundo quando sorri, um irmão que nunca me abandonará, uma cunhada que vive com humor a diferença. sobrinhos inteligentes, a vida pulsando neles, o futuro em cada projeto. vê-los crescer é um prazer que vivo à distância e, estranhamente, tão perto.

os amigos são um capítulo à parte. alguns foram reencontrados com afeto genuíno, embora permaneçam no passado. outros, que julgava leais, se mostraram um pouco infames, um pouco egoístas, um pouco traidores, e então foram apenas descartados, porque não há nenhum motivo para gostar de quem não te respeita. outros, que chegaram de modo despretensioso, conquistaram um lugar que espero consolidar. e outros apenas confirmaram minha crença de que a única coisa que realmente importa em alguém é seu caráter. a estes, dedico minha sincera amizade.

em 2006, o coração se mostrou vivo ao reencontrar alguém que foi tão importante no passado. aos poucos, e não sem dor, percebi que só a vida de agora pode ser vivida. o passado, mesmo doce, não se reproduz no presente, pois mudamos. eu acho que não mudei, ele acha que não mudou. mas, então, por que a sensação de profundo estranhamento a respeito do que é a vida, do que vale a pena, do que pensamos a respeito de tudo? o estranhamento, que parece interessante no início, torna-se um entrave concreto com o passar dos dias e dos meses. e então tudo se recoloca em seu lugar, e o coração antes quente faz retornar ao velho lugar aquele ser que não pertence ao presente.

quando olho da sacada e vejo as estrelas e uma lua linda, baixa e amarela como a que pontuava ontem, sinto que a vida segue um fluxo que remete cada vez mais à essência. talvez isso seja sabedoria. talvez seja delírio. talvez seja minimalismo. provavelmente é indizível. encontro no outro o que me falta. nada pode ser mais estarrecedor do que compreender que alguém tem o poder de me instigar à expansão e me faz querer ser uma pessoa melhor para mim e para aqueles que eu amo. por ter a lucidez de compreender isso, só posso ser grata por cada palavra e cada silêncio. sentir o vento bom e ver a noite surgir em paz, na hora do dia que me é mais bela, é tudo de que preciso para ter um 2007 feliz. aos meus amigos, desejo lucidez, delírio, bons ventos e palavras doces. a mim, desejo coragem.

10 comentários:

Bem pouco mais sobre mim... disse...

santa serenidade...

Rosamaria disse...

lindo texto, como sempre, pinta!

parabéns pelo sucesso do teu 2006 e que ele esteja sempre presente na tua vida.

que tenhas sempre a coragem que necessitares e tudo o mais que desejares.

piu, piu.

Anônimo disse...

adorei.
serve mais um, por favor?

em tempo: um 2007 inesquecível!

Luiz Felipe Botelho disse...

O extraordinário parece que nasce do modo como lidamos com o ordinário, o cotidiano, as pequenas coisas, sentimentos, palavras e encontros que se juntam, reagem, interagem e se combinam como numa malha. Assim, se expandem e se fazem grandes e surpreendentes, gerando ousadias e novas idéias, algumas tão grandes que se as imaginássemos como enfim se tornariam dificilmente as encamparíamos. De tudo o que se ousou e se enfrentou, faz-se um tapete vivo de memórias e experiências que se conclui justamente no último segundo do ano.
Um piu extraordinário para uma pinta idem. Tudo de bom pra ti.

Anônimo disse...

Amém, Neném!

Beijo no cucuruto,

Telejornalismo Fabico disse...

*



e o dia faz-se noite, e a noite ganha luas. e mais um ano gira enquanto a vida pede tempo. tempo pra ser, pra sentir, pra viver. e tempo pra errar buscando o acerto.
esse tempo não não se pauta pelo calendário, mas marca profundamente.
são marcações interiores que estabelecem a ordem e poem a vida em perspectiva.



*

Reges Schwaab disse...

Eu sempre digo que desejo que os desejos do outro se realizem. Então... coragem!
Super abraço

mimi aragón disse...

coisa bem boa que é ver um galinheiro em festa! que ela ganhe ares de quérbi e dure todo o 2007. saludo, pinta!

Graziana Fraga dos Santos disse...

teu texto me fez viajar, maravilhoso!

desejo que tenhas um 2007 maravilhoso, com cada vez mais conquistas, mais noites de luas, viagens para alegrar tua alma, amor, muito amor!
beijos

Ana disse...

Coragem!

Me sinto privilegiada de ter podido saborear cada palavra deste teu blog, Pintinha!

Aprendizado, encantamento, admiração...

Obrigada por tudo! Feliz 2007!