05 janeiro 2007

penaredo

o filme se chama “A Promessa”. “vale cada centavo”, dizia a mini-resenha do Unibanco Artplex. ah, eu adoro estas promessas sobre cada centavinho suado (ui). mas nos primeiros dois minutos você percebe que perdeu dinheiro e vai sobrar muita cadeira.

a música onipresente, orquestrada e ocidental poderia embalar uma fuga de campo de concentração polonês, uma perseguição no Central Park, uma disputa de gangues em Amsterdam. qualquer coisa, menos uma fábula chinesa que pede ding-lings e zing-pings.

sou fã de Zhang Yimou, que fez os belíssimos “O Herói” e “O Clã das Adagas Voadoras” — filmes para quem abre mão da realidade em troca de uma boa história com falas econômicas e poderosas, além da estética obsessivamente trabalhada para suspender o fôlego. pois neste “A Promessa”, o diretor Chen Kaige tenta imitar Yimou. não tem, porém, o mesmo talento e a mesma persistência de Yimou. e tudo que consegue é fazer um filme risível, chato e pra lá de cafona.

mesmo uma pinta como eu acaba achando que tem pena demais neste filme. é um penaredo que não termina mais. tudo tem penas: todos os mantos, todas as vestes, todas as lanças. até os cavalos e os touros têm penas e franjas coloridas. imagino o trabalhão que deu criar este figurino carnavalesco. fiquei procurando o Joãozinho Trinta nos créditos finais, mas acho que assinou sob pseudônimo.

a mesma capacidade de voar que Yimou imprime a seus heróis e bandidos está lá, só que sem graça, sem técnica e sem medida. de repente, vemos a tal princesinha envolta em penas (of course) e amarrada em um imenso cordão vermelho, sendo puxada por um escravo valente de cabelo sujo. uma espécie de mulher-pandorga, solta ao vento e protegida pelo herói, como a Lois Lane do Superman. sim, sempre a mesma mulher retomada, frágil e leve, se deixando levar pelo amor generoso e protetor que não se revela.

o filme tem duas mulheres: a princesinha amaldiçoada e uma espécie de fada que dá o tom sobrenatural ao proferir sentenças de mau agouro. esta fadinha do mal chega invariavelmente pelo ar e seus cabelos estão sempre ao vento. daria uma boa propaganda kitsch de xampu.

as cenas de batalha são um balé que mistura movimentos gays com macheza violenta. a inserção de leques que abrem e fecham (uh) e a paradinha dos pés faz lembrar um flamenco mal posto. talvez uma China tentando globalizar suas referências milenares?

tudo é over. tudo é hiper-real. pude imaginar Baudrillard às gargalhadas. um simulacro pobre, com cenários toscos, cores que querem significar por si mesmas, figurino pesado, muito dourado, vermelho, branco e prata. penas, plumas, franjas. sininhos que tocam de modo inconveniente ao menor gesto, máscaras e capacetes, corpos que se liquefazem após voar.

e as frases de efeito moral? ah, as frases. ditados profundos como um pires, esbanjando sabedoria sobre honra, confiança, lealdade, servilismo e amor verdadeiro (aquele que se reconhece ao primeiro olhar e dura para sempre, sabe qual?).

se você quer uma boa história, vá pagar suas promessas em outro terreiro. nem Forrest Gump pode com aquelas peninhas semióticas. mas justiça seja feita: este filmeco de quinta é um prato cheio para uma emplumada patifaria.

10 comentários:

sapollium disse...

Será que a parceria Joãozinho-barra-Kaige não toparia levar pra telona uma adaptação d'O Guarani?

Seria DI-VI-NO.

Nem tuas penas seriam poupadas, pinta!

Maroto disse...

Tô correndo pro cinema, não posso perder a cena erótica da mulher-pandorga! Afinal, a única coisa que me agrada mais que excesso de penas é carniça. Sem mosca, plize.

Telejornalismo Fabico disse...

*


dentro do universo dos filmes ruins, esse é um dos melhores. de tão ruim, fica legal.
tem desde a rapunzel, em que a mãe vende a filha por uns rabanetes, até ícaro e seu sonho de liberdade não amadurecido.
e vc podia ter falado da estética de mangá e do akira kurosawa. e do ang lee e peter greenway.
podia ter falado de tudo, porque tudo tava lá.



*

Anônimo disse...

Pode me chamar de preconceituosa, Marcia, mas de oriental, só vejo filmes de terror e filmes do Jackie Chan. Mesmo tendo achado Sonhos, do Akira Kurosawa muito bonito há muito tempo, não me arrisco. Abs

Reges Schwaab disse...

Ding-lings e zing-pings são muito lindinhos! :o)

Adriana Amaral disse...

eu achei o filme mais gay da temporada!!! as penas e plumas todas juntas cobririam todas as drags do universo..rs mas até qeu gostei por isso..hehehe

Anônimo disse...

as pessoas em geral - eu tb - não deveriam acreditar em promessas, eu sempre digo isso, sempre...

Anônimo disse...

não vi filme, mas não quero mais ver. filmes supostamente orientais que não têm os famosos ding-lings são filmes ocidentais disfarçados. podem ser comparados às super produções do Van Damme. Imagino que seja um segundo "O Tigre e o Dragão", que ficou um lixo. Os personagens voam por uns três ou 4 quilômetros em cada pulo.

Anônimo disse...

a propósito, marcia. eu tava indo linkar qdo li teu comentário.
;]

Renato disse...

Ah, o filme do Tato Malzoni e da Cicarelli é mais interessante que fazer essas análises-intelectuais-metidas-a-besta!

E tenho dito!

Cócócócócócócócócócócó!!!!!!!!