10 novembro 2008

meu 11 de novembro

meu irmão morreu há dez anos. o mundo chora o 11 de setembro, e eu choro o 11 de novembro.

estaria mentindo se dissesse que a dor é a mesma de dez anos atrás. não é. o tempo se encarrega de colocar tudo em perspectiva. a ausência, a memória, a própria extensão da dor. mas isso não impede que, de vez em quando, esta imensa falta se torne palpável, concreta, irremovível. chamo meus guindastes imaginários para retirar dali aquela pedra imensa. convoco meus pedreiros imaginários para recolocar ali o ladrilho que não existe mais. nada disso funciona, mas continuo tentando.

a ausência definitiva nunca é preenchida. a quem fica, resta apenas conviver com esta verdade do melhor jeito que puder. no limite, isto é que é viver.

não há beleza na falta. não há poesia na morte. alguns se voltam para uma crença, para outra crença, para alguma luz metafísica. para mim, a única força possível vem da lembrança do que se disse, do que se fez, do que se viveu. a lembrança dos abraços apertados, das crises de riso que não se pôde conter, das viagens, das solidões acompanhadas em madrugadas de longos silêncios.

lembro dos discos, dos livros, das utopias. lembro das brincadeiras de criança e das implicâncias. das cumplicidades que não caberiam em nenhuma máquina de calcular. das longas conversas sobre as estrelas, a lua, o universo tão maior do que a nossa imaginação. dos desenhos, das cores, dos telefonemas diários. lembro das comidas e das invenções. e lembro, acima de tudo, do olhar. este olhar que nunca sai de minha mente. um olhar cheio de significados, olhar de um mundo interior sem telhados ou paredes.

meu 11 de novembro é sempre assim, nestes longos anos. não tenho qualquer ilusão de que um dia tudo isso se transforme numa memória doce. esta memória nunca será doce. será sempre funda, silenciosa, estranha, dor de carpideira.

às vezes a tristeza invade meus dias e minhas noites. às vezes eu capitulo. mas a vida não é uma curva ascendente. o caminho é íngreme, pedregoso, exige força de alpinista.

há três noites sonho com um cão. meus instintos, minha animalidade, a lealdade que costurou estas duas vidas enquanto foi possível. muitos nem chegam perto disso, mesmo vivendo cem anos. esta memória funda tem um residual de gratidão.
se a gente permite, a vida continua. ainda que a gente não compreenda os porquês e os comos. um ano após outro, o tempo vai curando e recolocando tudo no seu lugar. mas sabe o que é que realmente dói? é saber que este lugar não pode ser ocupado. nem por uma crença, nem por uma lembrança, nem pelo sonhar com um labrador.

10 comentários:

Anônimo disse...

Pra mim, esse é o tipo de saudade que sufoca. Parece que vai fazer o peito explodir. E, de fato, nada faz passar. Nem o tempo.

Ana disse...

Tudo igual, só muda de endereço...

Por isso sei que nada do que eu possa dizer vai fazer a menor diferença...

Só a sensação de ser compreendida.

Anônimo disse...

Cada um com a sua dor....
E com as boas lembranças do que foi vivido.

Sigamos em frente com a certeza do presente que tivemos pelo tempo que nos foi permitido usufruir.
Meu abraço mais carinhoso para ti, sobretudo nesse 11 de novembro.

Fani disse...

que bom que tu foi no meu bloguinho...
nem de perto chega às belezas das tuas palavras... um dia eu queria poder conseguir expressar os sentimentos de forma tão inteligente quanto tu...
força...
bjocas

Demétrio de Azeredo Soster disse...

"A primeira função mítica do cão, universalmente atestada, é a de psicopompo, i.é, guia do homem na noite da morte, após ter sido seu companheiro no dia da vida. De Anúbis a Cérbero, passando por Thot, Hécate e Hermes, ele emprestou seu rosto a todos os guias de almas, em todos os escalões de nossa história cultural ocidental." CHEVALIER, Jean; GHEERBRANDT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1996.

Rosamaria disse...

lendo o que escreveste dá um aperto no peito por entender o que sentes,pinta!
bjim.

Anônimo disse...

Tem um poema do Drummond (que gosto muito, por sinal), que diz: "Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim". E um "estar em mim" não permite que esse espaço seja preenchido.
Não há saudade onde não há presença. E essa presença, aquela que "tatuam" na gente, não vai embora em um ano, cinco, 10 ou 20. Porque não tem que ir...

Dieta já disse...

Não gosto de ver pinta triste.
Fique bem você.
Beijo

Anônimo disse...

Marcia,
cai sem querer aqui enquanto pesquisava para fazer meu trabalho final.
Parei e me toquei. Pensei muito nos meus irmãos que amo de paixão e que, coincidentemente, estão comigo hoje aqui em Porto Alegre. Obrigado por me fazer lembrar o quanto eu amo eles e o quanto eu sentiria a falta deles se eu os perdesse.
Meu beijo, meu carinho e meu conforto neste teu momento de saudade.
Abraços,
Filipe Peixoto

mimi aragón disse...

tó meu ombro, tó...