14 outubro 2008

o morto

este país está precisando estudar. a intelligentsia brasileira está precisando estudar. urgentemente.


o debate sobre a exigência do diploma de Jornalismo é perigosamente ingênuo. toma uma parte do problema e ignora a sua complexidade. o problema é “o jornalista” – este ser corporativo que quer manter seus privilégios, este ser egoísta que não quer dividir com o resto da sociedade a tarefa simples de fazer Jornalismo.


Jornalismo é técnica, sim. não entendo o que há de errado nisso. é domínio técnico de como apurar, de como cultivar as fontes, de como se portar numa entrevista, de como encarar uma fonte relutante ou manipuladora, de como verificar a informação com outras fontes, de como reconhecer o que é banal e o que é notícia, de como fotografar um acontecimento, de como produzir infográficos relevantes. e, finalmente, domínio técnico de como relatar os fatos, de como organizá-los no texto, de como fazer títulos ou chamadas, de como editar páginas ou programas.


no entanto, Jornalismo não é só técnica. é também teoria e é também ética. é isso que boa parte dos nossos intelectuais não consegue aceitar. é mais fácil relegar o Jornalismo a um “simples fazer” do que conceder-lhe um lugar teórico. não sei bem onde dói, mas pelo jeito dói. quando dizemos que existem teorias específicas do Jornalismo, alguns riem. são aqueles que nunca leram sobre isso, aqueles que desconhecem a natureza do campo. são aqueles que imaginam que o jornalista é uma mistura de psicólogo com antropólogo, historiador, sociólogo e escritor. são aqueles que desconsideram a responsabilidade da profissão. confundem consciência social com corporativismo. aderem a uma lógica neoliberal sem jamais admitir que é isso que move seus argumentos. e, cereja do bolo, recorrem à falácia do cerceamento à liberdade de expressão para sustentar seu discurso.


é compreensível que os grandes meios de comunicação defendam a desregulamentação – estão em seu papel, querem o fim dos sindicatos que garantem os direitos mínimos dos profissionais, querem o fim dos pisos salariais (aviltantes), querem esvaziar a profissão de qualquer reflexão sistemática. é compreensível também que pessoas alheias ao campo defendam a desregulamentação – elas geralmente não compreendem as relações de poder que estão em jogo, o que move as obscuras relações entre mídia, política e economia.


é menos compreensível que magistrados defendam a desregulamentação, dando-se o direito de refazer a lei. antigamente a Justiça cumpria a lei, agora ela a refaz. mas é totalmente incompreensível, para mim, que intelectuais e pesquisadores, que por dever de ofício precisam ver o mundo de modo complexo, tratem do tema de forma superficial, ingênua e redutora. isto não é apenas lamentável. isto é estarrecedor.


não sou otimista. acho que esta é uma batalha perdida e o STF vai extinguir a exigência do diploma. vai ignorar o que dizem os profissionais, os professores e os pesquisadores da área, sob o argumento de que estes setores são “interessados”. os críticos da qualidade do ensino dirão que a culpa é da universidade, esta instituição de ombros largos tão responsabilizada pelas mazelas do mundo. não vai demorar muito para que o nosso já trôpego Jornalismo role escada abaixo, quebre o pescoço e se torne a voz oficial das fontes oficiais. quando nossa intelligentsia sair do coma, o morto já terá sido cremado.

8 comentários:

luís felipe disse...

concordo com tudo, menos com o pessimismo, até por que existem pesquisas de opinião pública que podem contar pontos na hora da decisão final do STF.

agora, o que me deixa impressionado é a falta de visão em perspectiva. Na minha cabeça, desregulamentar uma profissão, acabar com a exigência do diploma está diretamente relacionado a supor que a faculdade de jornalismo é inútil. Isso envolve tudo, não só o que é ensinado. Ao desregulamentar o diploma, o STF está dizendo que as faculdades são desnecessárias.

Passando esse projeto, se por caso minha filha quiser fazer jornalismo, vou recomendar que ela estude direito, p.ex. Vai aprender a lidar com a palavra da mesma forma e poderá exercer o jornalismo, com a possibilidade de ter uma condição trabalhista, o que será impossível na nossa profissão.

Fico chocado ao saber que alguns professores são contrários à manutenção do diploma. Isso quer dizer, na minha cabeça, que eles consideram o seu trabalho uma quimera, uma imbecilidade, uma vez que ele é desenvolvido no ambiente universitário e que sua aprovação é NECESSÁRIA para obtenção do diploma. Nada disso tem a ver com eventuais preconceitos ou corporativismos da classe. É uma questão bem mais ampla: afinal, o jornalista é dispensável ou indispensável?

Léli disse...

Caraa!!!!!! Parabéns!!
Achei o texto muito bom, o comentário também.
Também não sou muito otimista e fico preocupada com tudo isso e com o reflexo disso no mercado de trabalho que já é bem complicado nesta área, pelo menos na cidade em que eu vivo. E é complicado por causa justamente do tal corporativismo, da relação mídia/economia/política.

Reges Schwaab disse...

Belo texto.

Com essa 'intelligentsia', nossos governantes, e os meninos "Supremos" o país não precisa de inimigos.

Penkala disse...

quando ouvi, na semana passada, um aluno dizer, em outras palavras, que não precisava do diploma pra trabalhar (publicidade), eu não me choquei porque a publicidade não exige diploma mesmo e isso é um dado triste e irrevogável. me arrepiei, sim, por projetar num futuro próximo a possibilidade de ouvir isso de um aluno de jornalismo. se já é complicado ensinar a teoria da comunicação (que além de linda e complexa, é extremamente específica) pra alunos que precisam de diploma, imagina quando o argumento na ponta da língua deles será, sempre: NÃO PRECISO SABER DISSO PRA SER JORNALISTA.

mas me deixa ainda mais triste que alguns, de fato, nem precisem. apesar de necessitarem do diploma pra carteira ser assinada, jamais levam da universidade além da noção de qual botão apertar, de quais perguntas responder num lead, de quantas barras se coloca no final do enunciado na redação de rádio...

talvez o que passe a acontecer seja o retorno de jornalistas sem diploma aos bancos universitários quando, lá pelos seus 30, 40 anos, se derem conta de que estão precisando de formação (depender do insight num mundo que acha que não precisa de teoria do jornalismo me parece uma temeridade...)

de repente me imagino abordando uma turma formada por 12, 13 alunos de têmporas grisalhas e pés de galinha e a exceção de um nerd de 20 anos, com o All Star de sempre, se sentindo deslocado porque sempre sonhou estudar a doce e incrível teoria do jornalismo...

choremos ou oremos. se é que ainda dá pra acreditar nessa humanidade que só emburrece...

Penkala disse...

e com tudo isso me esqueço de terminar agradecendo, JÁ QUE HOJE É TEU DIA, pelas tuas aulas.

nós nerds já nascemos pobres, porém, já nascemos livres... a gente estuda apesar de estar na contramão...

Anônimo disse...

Pôxa, tinha feito um baita comentário sobre o diploma e se perdeu.

Também ia reiterar os parabéns pelo dia do professor. Lembro com muito carinho das tuas aulas na graduação e na pós. Isso apesar de eu ter respondido com tiradas engraçadinhas à prova de cultura geral que tu aplicou em Editoração. Ao menos acertei tudo. :-)

Anônimo disse...

Disse tudo, Márcia!!!!
Beijo,
Fernando Resende

Anônimo disse...

Só existe um pequeno problema em regulamentar a profissão em questão: censura.
E no que me diz respeito, o resto é bem secundário.

Lucas