22 dezembro 2011

muito ar

nunca se sabe ao certo quando é hora de alguma coisa. é um pouco como tatear no escuro. tentar um pouco, recuar, deixar quieto. mas talvez seja hora de voltar ao blog. sim, esta ferramenta do dizer que alguns já declararam morta. e que eu prefiro ver em suspenso, ao alcance da mão quando a mão achar que deve. 

por motivos vários, o ar tem sido um elemento importante pra mim. talvez, nos últimos tempos, "o meu" elemento. (embora sejamos todos, eu e você, feitos de todos os elementos - e da minha lista imaginária constem o titânio e o isopor.)

então, relendo Bachelard e seu maravilhoso "O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do movimento", encontro excertos que um pouco dizem, um pouco assopram, um pouco arrasam. como os ares profanos da imaginação.

"Com o ar violento poderemos compreender a fúria elementar, aquela que é só movimento e nada mais que movimento. Encontraremos aí importantíssimas imagens em que se unem vontade e imaginação. De um lado uma vontade forte que não se liga a nada, e de outro uma imaginação sem nenhuma figura, se sustentam uma à outra. Ao viver intimamente as imagens do furacão, aprendemos o que é a vontade furiosa e vã. O vento, em seu excesso, é a cólera que está em toda parte e em nenhum lugar, que nasce e renasce de si mesma, que gira e se volta sobre si mesma. O vento ameaça e uiva, mas só toma forma quando encontra a poeira: visível, torna-se uma pobre miséria. Ele não exerce todo o seu poder sobre a imaginação senão numa participação essencialmente dinâmica; as imagens figuradas dariam dele antes um aspecto irrisório. [...]

"Aliás, se seguirmos em seu trabalho imaginário os grandes sonhadores da cosmogonia, não raro surpreenderemos uma verdadeira valorização da cólera. Uma cólera inicial é uma vontade primeira. Ela ataca a obra por fazer. E o primeiro ser criado por essa cólera que cria é um turbilhão. O objeto primeiro do homo faber dinamizado pela cólera é o vórtice. [...]

"O turbilhão cosmogônico, a tempestade criadora, o vento de cólera e de criação não são apreendidos em sua ação geométrica, mas como doadores de poder. Nada mais pode deter o movimento turbilhonante. Na imaginação dinâmica, tudo se anima, nada se detém. O movimento cria o ser, o ar turbilhonante cria as estrelas, o grito produz imagens, o grito gera a palavra, o pensamento. Pela cólera, o mundo é criado como uma provocação. A cólera funda o ser dinâmico. A cólera é o ato que começa. Por prudente que seja uma ação, por insidiosa que prometa ser, deve ela primeiro transpor um pequeno limiar de cólera. A cólera é um mordente sem o qual nenhuma impressão se impõe ao nosso ser - ela determina uma impressão ativa.

"[...] há atividade da imaginação quando há uma tendência a passar ao nível cósmico. Não é no detalhe da vida que se formam os devaneios valorizados. O primitivo teme mais o mundo que o objeto. O terror cósmico pode realizar depois num objeto particular, mas a princípio o terror existe num universo de ansiedade anterior a qualquer objeto designado. É o assobio violento do vento que faz tremer o homem que sonha, o homem que escuta."

[Gaston Bachelard]

não há criação sem cólera, tensão, tempestade. os hipócritas querem arte, desde que não tenham que lidar com a inteireza estranha de quem cria. e o próprio criador, inserido compulsoriamente em um mundo cínico, tenta expulsar de si o que lhe é mais intenso, singular e gerador. não, não, não. os ventos calmos são divinos. e os ventos furiosos também.
 

2 comentários:

Aldema - www.correndomundo.blogspot.com disse...

Belo texto.Belo retorno.

DaniellaDe disse...

Que bom lhe encontrar pela primeira vez - segunda, pois a "descobri" num ótimo texto sobre AD - com uma reflexão exímia sobre a criação em Bachelard. Não conhecia o texto, mas já passo a adorá-lo e quero segui-la também. Prazer.